Se cresceste nos Estados Unidos, podes-te surpreender ao saber que o uso
da cannabis tem uma história bem longa e ilustre. Muitos ‘activistas
anticannabis’ dos Estados Unidos poderiam fazer crer que o consumo da
mesma é um vício limitado a hippies, caloteiros ou miúdos liberais da
faculdade de artes; o que não sabem é que algumas das mais antigas
culturas do mundo têm uma longa história quanto ao fumar e cozinhar
marijuana.
Cannabis na China Antiga
Muitos historiadores concordam que a primeira evidência cultural da
Cannabis vem da China, há cerca de 6.500 anos atrás. Os Yang-Shao (a
mais antiga cultura neolítica conhecida na China), colhiam sementes de
cannabis para ser usado como grãos. As sementes eram moídas em farinha,
assadas inteiras ou cozidas em papa. Os antigos túmulos da China tiveram
mesmo vasos de sacrifício cheios de sementes de cânhamo para a vida
futura.
Embora os antigos chineses não tenham incorporado directamente a
cannabis em rituais espirituais, os efeitos das folhas da planta de
resina e flores (ou botões) não passam despercebidos. A mais antiga
farmacopeia do mundo conhecida, a ‘Pên-ts’ao Ching’, afirma que os topos
floridos da marijuana, se tomadas em excesso ou durante um longo prazo
“faz comunicar com os espíritos e ilumina o seu corpo.” O documento
passa então a receitar marijuana para doenças como a “malária,
constipação, dores reumáticas, distracção e distúrbios da mulher”.
Extracto Chinês de Óleo da semente da Cannabis e Óleo de Cannabis
Com as novas tecnologias desenvolvidas, os antigos chineses aprenderam a
extrair o valioso óleo de cânhamo, usando uma técnica ainda utilizada
no mundo ocidental no século XX. Estas sementes de cannabis pressionadas
renderam quase 20 por cento de óleo por peso.
O óleo de cannabis tem uma série de utilizações, mas aqui estamos mais
preocupados com suas aplicações na culinária. Após a extracção do óleo, o
resíduo ou “bolo de cânhamo” ainda continha óleos nutritivos e
proteínas, o que se tornou uma alimentação saudável para animais
domesticados. Assim, os antigos chineses provavelmente foram os
primeiros a descobrir, colher e cozinhar com a cannabis.
Cannabis na Índia Antiga
Cerca de 2.500 anos mais tarde, os Arianos errantes (uma tribo nómada
Indo-Persa) trouxeram a Cannabis para a Índia, onde foi rapidamente
adoptado tanto para as suas aplicações práticas (fibras de cânhamo e
nutrição, por exemplo) como pela sua assistência em rituais religiosos
(com os seus efeitos psicoactivos). Os índios anciãos adoravam os
espíritos das plantas e dos animais, e a marijuana começou a desempenhar
um papel activo nos seus rituais, bem como a tornar-se um objecto de
adoração em si.
A marijuana tornou se sagrada, e o seu espírito, o chamado “bhangas
spirit” era adorado e apelidado como “a liberdade do sofrimento e como
um alívio para a ansiedade.” Os antigos indianos viam a planta como um
presente dos deuses, saudando-a como uma erva mágica que “baixa a febre,
promove o sono, alivia a diarreia, estimula o apetite, prolonga a vida,
acelera a mente e melhora o julgamento.”
Índios anciães criam uma infusão de manteiga ‘Ghee’ de Cannabis e o ‘Bhang’
Tal como os chineses, os indianos antigos usavam as sementes como grãos
para cozinhar, mas ao contrário dos seus antecessores, os índios também
procuraram aproveitar o efeito farmacológico único da cannabis,
cozinhando as flores, folhas e caules em manteiga ‘Ghee’ para ser usado
numa infinidade de receitas.
Ghee, um ingrediente comum na comida indiana moderna, é uma deliciosa
manteiga clarificada que pode ser armazenada por longos períodos de
tempo sem refrigeração, desde que seja armazenada num recipiente
hermético. A infusão de Cannabis ‘Ghee’ pode ser substituída, sendo
chamada de ‘Ghee’ regular, no entanto não será cozida a temperaturas
superiores a 401 graus Fahrenheit, altura em que o THC começa a perder a
sua potência.
Além de Cannabis Ghee, antigos índios também misturavam Marijuana com
outras especiarias (incluindo sementes de papoila, pimenta, gengibre,
sementes de cominho, cravo, carda momo, canela, noz-moscada, açúcar e
leite) numa bebida chamada “Bhang”. Hoje em dia, “Bhang” é apreciado na
Índia – mais que o álcool e o vinho que são mais usados no Ocidente.
Cannabis atravessa a Europa
Eventualmente a Cannabis passou pelo Médio Oriente para países como a
Babilónia, Palestina e Egipto, onde o cânhamo era utilizado em tecidos
e, como grãos. Chegando á Grécia, pode ter sido referenciado no grande
épico de Homero, a “Odisséia”. Os gregos e os romanos nao fizeram
noticia das propriedades tóxicas da planta, mas usaram o cânhamo em
fibras para fazer roupas e tapetes.
Cozinhar com Cannabis nos EUA
Com o aumento do comércio e das viagens, as sementes de Cannabis foram
levadas para todas as partes do mundo conhecido. Quando os primeiros
colonos vieram para as Américas, trouxeram cannabis com eles. Tanto
quanto a história da culinária com cannabis nos Estados Unidos existe, o
registo de tal é irregular, mas certamente renasceu na década de 60/70
com a forte influência indígena sobre a geração “hippie”.
Hoje, cozinhar com marijuana voltou em voga, especialmente com a
descriminalização da cannabis em diversos estados (EUA) e as sempre
presentes prescrições de maconha medicinal. Cozinhar com cannabis é uma
óptima maneira de experimentar tanto os efeitos nutricionais da planta
como os fisiológicos.
Felipe Freire