Drogas: está aberto o debate
Qual a melhor maneira de enfrentar
o problema das drogas? Criminalizando o usuário ou tratando os
dependentes como pacientes do sistema de saúde? Mantendo a ferro e fogo
uma visão proibicionista ou experimentando com diferentes formas de
regulação e prevenção?
Nos últimos quatro meses, a discussão
avançou mais do que em 40 anos. O que parecia impensável está sendo
discutido à luz do dia. Isto aconteceu por imposição da realidade
e pela coragem dos presidentes Juan Manuel Santos, da Colômbia, Otto
Perez Molina, da Guatemala, e Laura Chinchilla, da Costa Rica.
Os fatos falam por si. Décadas de esforços imensos, liderados pelos
Estados Unidos, não levaram nem à erradicação da produção nem à redução
do consumo. Enquanto houver demanda por narcóticos haverá oferta. Os
únicos que ganham com a proibição são os traficantes.
No México
e na América Central, a violência e corrupção associadas ao tráfico são
uma ameaça direta à estabilidade democrática. Frente a este risco,
criamos faz quatro anos a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e
Democracia. Diante da ineficácia e dos efeitos desastrosos da guerra às
drogas, abrimos o debate sobre estratégias alternativas.
Formulamos duas recomendações. Em primeiro lugar, descriminalizar o
consumo de todas as drogas, visto que não faz sentido pôr na cadeia
pessoas que usam drogas, mas não causam dano a terceiros. Podem causar
danos a si mesmos e a suas famílias, mas persegui-los não os ajuda a se
livrarem das drogas.
Droga é um problema de saúde pública.
Tratar os dependentes como criminosos só dificulta o acesso ao
tratamento. O primeiro objetivo de uma política antidrogas deve ser
proteger os jovens, prevenindo o consumo que leva à dependência. Isto se
faz mediante educação, tratamento e reintegração social.
O
poder repressivo do Estado e a pressão da sociedade devem se concentrar
na luta contra os narcotraficantes, sobretudo os mais violentos e
corruptores, não em perseguir jovens ou doentes.
Nossa segunda
recomendação, mais complexa porém não menos importante para a paz
cidadã, é abrir o debate sobre modelos de regulação de drogas, como a
maconha, de maneira similar ao que já se faz com o tabaco e o álcool.
Estudos científicos demonstram que a maconha é menos danosa à saúde que
o tabaco. Regular não é a mesma coisa que legalizar. Regular significa
criar as condições para impor restrições e limites ao comércio e consumo
do produto, sem colocá-lo na ilegalidade. A redução espetacular do
consumo do tabaco comprova que a prevenção e a regulação são mais
eficientes que a proibição para mudar hábitos e mentalidades.
A
regulação corta o vínculo entre traficantes e consumidores. Como a
maconha é a droga mais consumida no mundo, sua regulação reduziria
grande parte dos enormes recursos obtidos pelo crime organizado nos
mercados ilegais, fonte de seu poder e influência.
Felicitamos
aos presidentes da Colômbia, da Guatemala e da Costa Rica por colocarem
sobre a mesa diferentes opções mais eficazes para proteger a saúde das
pessoas e a segurança da sociedade. Por sua iniciativa, o tema da droga
foi incluído na pauta da Cúpula das Américas que se reúne em Cartagena,
Colômbia, nas proxima sexta-feira (14) e sábado (15 ).
Deste
encontro de chefes de Estado não se deve esperar soluções mágicas ou
acordos imediatos sobre o que fazer. Neste momento o que importa é um
debate sério e rigoroso que permita a cada país encontrar as soluções
mais adequadas à sua realidade.
A experiência da América Latina
no combate ao narcotráfico e da Europa em saúde pública e redução do
dano causado pelas drogas, a mobilização de setores empresariais e da
comunidade científica, o anseio de paz dos jovens, tudo converge na
direção de políticas mais humanas e eficientes.
Uma mudança de
paradigma, capaz de combinar repressão ao tráfico com prioridade ao
tratamento, reabilitação e prevenção, é a melhor contribuição da América
Latina, continente que já sofreu tanto com este problema, para uma
revisão global da política sobre drogas.
A hora da mudança é agora.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO foi presidente da República (1995-2002).
CÉSAR GAVIRIA presidiu a Colombia (1990-1994).
ERNESTO ZEDILLO foi presidente do México (1994-2000).
Fonte: O GLOBO - via Clippingmp
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/4/8/drogas-esta-aberto-o-debate