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quinta-feira, 19 de julho de 2012

O uso da maconha para fins medicinais e científicos é legalizado no Brasil?


Por Sergio Vidal

Não há uma resposta simples para essa pergunta. A mais simples de todas seria: A maconha está legalizada para uso medicinal e científico, mas não está regulamentada. Em termos técnicos a maconha está legalizada, pois a Lei sobre drogas, 11.343/06, diz especificamente, em seu artigo 2, num parágrafo único:

“Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas”.

Ou seja, a lei diz que é possível obter autorização para realizar tais condutas, mas não vai além disso. A Lei de drogas não define quais plantas e substâncias são de uso exclusivamente medicinal ou científico, nem define as regras para emissão das autorizações especiais. A lei apenas define os crimes e as punições relacionadas com a comercialização e posse, sem a “autorização especial” que deve ser emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, do que é chamado genericamente de “drogas”. Em nenhuma parte da Lei ela afirma quais seriam as tais “drogas” nem quais as exigências para obter a “autorização especial”. Mas, no artigo 66, quase no fim do documento, diz:

“Denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/Ms n. 344 de 12 de maio de 1998”.

Esse trecho da Lei legitima à Anvisa criar, da forma como bem entender as regras para cultivo, produção, comércio e consumo de algumas plantas e drogas. A Anvisa também tem o poder de incluir ou excluir plantas e drogas da Lista de vegetais e substâncias que precisam de autorização especial para serem cultivadas, consumidas ou comercializadas. Em outras palavras, é a ANVISA que define não apenas quais plantas e drogas precisam de autorização especial para serem cultivadas ou preparadas, mas quais sãos as regras para emissão de cada tipo de autorização.

A Agência pode definir sobre quais plantas e drogas a Lei 11.343 diz respeito. A lei sobre drogas refere-se apenas à descrição dos diversos tipos de conduta que alguém sem a devida autorização especial pode cometer relacionadas com as plantas ou substâncias que estão na Lista definida pela Anvisa, definindo-as como crimes e prescrevendo punições específicas que vão desde multa até 20 anos de prisão. É a Portaria 344/98 da Anvisa que define quais plantas e substâncias precisam de autorização especial para serem cultivadas, produzidas e distribuidas/comercializadas para fins medicinais e quais os requisitos para fazer isso dentro da Lei.

A Anvisa tem atualizado essa portaria constantemente, de acordo com critérios internos que adota sem maior transparência de quais têm sido as motivações para proscrever uma ou outra planta e substância. O mais recente caso exemplar de como a Anvisa atua na modificação dessa lista seguindo apenas regras internas é a recente inclusão da Sálvia Divinorum e da Claviceps paspali na lista de plantas proibidas. Essa Resolução, do dia 9 de julho desse ano, última segunda-feira, passou a colocar essas plantas no mesmo patamar da maconha e de outras. Assim, as pessoas que cultivam, consomem ou comercializam essas plantas passam a ser considerados criminosos a partir de então.

Esse exemplo ilustra bem também os limites de atuação da Lei 11.343. Até o dia 9 de julho a Sálvia Divinorum e a Claviceps paspali eram plantas que não estavam na Lista da Anvisa. Saíram de um estado de total desregulamentação, para serem incluídas no rol de plantas proscritas.

Enquanto o uso medicinal e as pesquisas científicas sobre diversos vegetais e substâncias comumente chamadas de drogas é uma realidade em diversos países do mundo, o Brasil segue atrasado nessa matéria. O Ministério da Saúde e a Anvisa têm total autonomia administrativa para criar uma Agência Brasileira sobre a Cannabis Medicinal, conforme exigido pela Convenção Internacional sobre Drogas e começar a regular a matéria, por exemplo. Mais que isso, estão autorizados pela atual lei sobre drogas, 11.343/06 e excluir a Cannabis da Lista, ou alterar as regras para o uso do vegetal.

Entre 2008 e 2010 fui representante da União Nacional dos Estudantes no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD. Como membro do CONAD, participei do Grupo de Trabalho que discutiu mudanças na atual lei 11.343, e também formas de regulamentar pontos já existentes nela, que funcionou entre 2009 e 2010. Nesse GT e no CONAD todas as vezes em que era mencionada a importância de regulamentar o uso medicinal da maconha os responsavéis pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD – afirmavam que a maconha medicinal já estava legalizada, faltaria apenas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, junto com o Ministério da Saúde, definir quais seriam as regras para cultivo, produção e distribuição da maconha para fins medicinais. Desde então passei a tentar dialogar com o maior número de ativistas pró-legalização da maconha no Brasil, tentando colocar a importância de tensionarmos o debate para a questão especifica da maconha medicinal. Muitas pessoas não usam maconha porque gostam, mas porque precisam. A discussão da maconha medicinal não deve ser confundida com o debate do uso recreativo. Considero os dois muito importantes, mas sempre achei fundamental priorizar o acesso das pessoas ao medicamento. Acho que já passou da hora de fortalecermos a luta pela regulamentação uso exclusivamente medicinal da maconha.

Com base nessas informações é que afirmo que a maconha medicinal no Brasil é legalizada, mas não é regulamentada. Falta vontade política da Anvisa e do Ministério da Saúde para realizar uma ampla discussão e definir de uma vez por todas quais as regras no Brasil. Mas isso só vai acontecer se o tema for colocado em discussão ampla. Para isso acho que devemos fazer todo tipo de iniciativa para chamar atenção para a questão, principalmente mostrar o grande número de pessoas que precisa da planta como remédio e de quantas poderiam se beneficiar com essa medida.

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Fonte:  Smoke Buddies